Meu avô Guerra e arquitetura




A casa da Ribeira e o apartamento no Vale das Flores


Lembro muito bem da casa da Ribeira e posteriormente do apartamento 304 do Condomínio Vale das Flores, mas a parte interessante desta história é o que o “Vô Guerra” representava nestes dois mundos.
A casa da Ribeira era ampla, com um pequeno pátio na frente e um grande quintal nos fundos. E um grande corredor, onde todo domingo, com a benção dos avós, entrávamos num mundo de convívio familiar, partilha, e respeito. Através deste caminho passávamos por vários ambientes: o quarto de hóspede, onde eu, Lú e Neno fazíamos fuzarca, a sala do almoço e da TV, onde víamos Silvio Santos e outras atrações esverdeadas de domingo, a cozinha e a varanda do quintal, onde os primos faziam ainda mais fuzarca. O quarto dos avós, era uma área respeitada, eu pouco olhava para o seu interior, exceto quando relampejava e meu avô ia cobrir o espelho. Durante as festas e o Natal a casa era cheia e animada, muitos tios e primos conversando e brincando por todos os lugares.
Quando mudaram para o apartamento, não pude entender bem o motivo. Achava estranho se mudarem de uma casa tão grande para um espaço tão pequeno.
Todo domingo continuávamos a visitar-los. Entrávamos no apartamento, com a benção dos avós, passávamos pela sala de almoço-tv, e seguíamos pelo corredor que nos levava até o quarto de hóspede, onde eu, Lú e Neno fazíamos fuzarca. Corríamos pelo corredor da mesma forma que na Ribeira, com cuidado de não esbarrar no Vô Guerra, que era enorme e caminhava em passos lentos. Quando queríamos ar livre, tinha a varanda e o play ground. No Natal a casa continuava cheia e animada, muitos tios e primos conversando e brincando por todos os lugares. E quando relampejava, meu avô ia lá cobrir os espelhos.
Essa é uma das primeiras lições que aprendi anos depois, estudando arquitetura. O que importa não é o espaço criado, mas o uso que se destina a ele. Aquele mundo era a Casa dos Avós, não importando onde fosse e que tamanho tivesse. E o centro deste espaço era vô Guerra. Enquanto um edifício mantém sua função, ele se mantém incólume. Este espaço por ele criado se eternizou em nossa família através de nossos valores, de nossos encontros, e festividades, através do amor fraterno, e do respeito mútuo, e claro, na grande fuzarca que os primos continuam fazendo. 



Avô Guerra

Meu avô Armando era um homem grande
Pernas compridas, passos lentos, altura imponente
Espirro ensurdecedor, que silenciava o mundo
Voz calma e suave que inspirava segurança
Uma Catedral Gótica
Eu era criança,
Quando meu avô partiu deixando saudades
Deixando também um legado de amor e respeito
Referência a seguir, uma memória indelével
Imagem de um grande homem, que nos inspira com sua história

Um comentário:

  1. (...) um templo, um monumento, o parthenon ou uma igreja barroca existe em si por seu peso, sua estabilidade, suas proporções, volumes, espaços mas até que o homem não entre no edifício, não suba os degraus, não possua o espaço numa “ aventura humana” que se desenvolve no tempo, a arquitetura não existe, é frio esquema não humanizado. O homem cria com o seu movimento, com os seus sentimentos. Uma arquitetura é criada ‘ inventada de novo’ por cada homem que nela anda, percorre o espaço, sobe uma escada, se debruça sobre uma balaustrada, levanta a cabeça para olhar, abrir, fechar uma porta, sentar e se levantar é um tomar contato íntimo e ao mesmo tempo criar formas no espaço, expressar sentimento; o ritual primogênito do qual nasceu a dança, primeira expressão daquilo que será a arte dramática. (Lina Bo Bardi)

    BARDI apud OLIVEIRA, Olivia. Lina Bo Bardi. Sutis substâncias da arquitetura. São Paulo/ Barcelona: Romano Guerra/GG, 2006, p.358.

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